O que deveria ser inexpressivo, se tornou altamente relevante e extremamente impactante para as Transportadoras de cargas. Estamos falando das avarias, muitas vezes descontadas das Transportadoras de forma unilateral por parte de alguns Embarcadores.
As avarias existem, essa não é a questão. O tema a ser debatido é: qual a real responsabilidade do Transportador de cargas sobre as avarias incorridas ao longo do trecho compreendido entre origem e destino? E o que pode ser feito para que elas sejam mantidas dentro de patamares aceitáveis?
As avarias são decorrentes de diversos fatores, como:
a) má unitização das cargas, não respeitando regras de empilhabilidade, compatibilidade entre as mercadorias e nem a correta forma de acondicionamento dos materiais;
b) incorreto e /ou excessivo manuseio;
c) condição de transporte, não apenas em função do tipo ou das condições do compartimento de carga, mas também da forma como o veículo é conduzido pelos motoristas;
d) embalagens inadequadas, incapazes de suportar a quantidade de movimentações necessárias, especialmente na operação de carga fracionada, no qual ocorrem diversas operações de consolidação e desconsolidação;
A grande maioria das embalagens é desenvolvida, apenas, a partir de conceitos mercadológicos e, em alguns casos, ergonômicos, não levando em conta a sua aplicabilidade logística. Além disso, muitas empresas “exageram” na economia ao decidir pelo modelo A ou B e pelo Fornecedor X ou Y, optando por soluções que definitivamente não protegerão seus materiais.
Por outro lado, é preciso reconhecer o descuido de muitas Transportadoras ao manusear, acondicionar e transportar as mercadorias de seus Clientes. Na operação de carga fracionada, onde diferentes perfis de Clientes são combinados, é mais comum observarmos situações de cargas incompatíveis que contribuem para agravar ainda mais o problema.
Afinal, o que podemos esperar de uma operação no qual são misturados materiais de diferentes características e requerimentos de qualidade, como latas de tinta, galões de óleo lubrificante, rolos de arame e tecido, calçados, peças automotivas, produtos de limpeza, materiais de construção, cosméticos e até alimentos?
O resultado de tudo isso é conhecido por todos nós: altos índices de avarias, e que vem aumentando ano após ano. Aquilo que era pouco representativo, e que muitas vezes passava despercebido, vem se tornando foco da atenção de muitas Transportadoras, já que normalmente são elas que arcam com a quase totalidade dos custos decorrentes das avarias.
Além das avarias, outros milhares de Reais são gastos anualmente pelas Transportadoras na estruturação de um “exército” de funcionários diretamente envolvidos com extravios, furtos e avarias, em áreas batizadas como “Pendências”, “SAC”, ou “Prevenção e Perdas”, isso quando uma Transportadora não conta com os três departamentos operando simultaneamente.
Para resolver esse alarmente problema das avarias, é necessário o envolvimento de ambas as partes, Transportadoras e Embarcadores.
Ao Embarcador caberá reavaliar a sua embalagem, não apenas em função da resistência mecânica no empilhamento, mas também durante os diferentes estágios de manuseio. Uma embalagem de um produto produzido na cidade de São Paulo, e entregue em uma cidade do Interior de São Paulo, a 150 km ou 200 km não pode ser a mesma utilizada para um Cliente localizado em Teresina, no Piauí, ou em São Luís, no Maranhão, em função da quantidade de vezes que é movimentada e do roteiro de viagem.
Ao Transportador caberá uma parcela de trabalho muito maior. Precisará atuar na capacitação de sua equipe operacional, envolvendo não apenas o pessoal de carga e descarga nos terminais, mas também os motoristas nas operações de transferência e nas atividades de coleta e entrega, bem como os ajudantes utilizados. Equipes administrativas, de apoio à operação, precisarão ser treinadas na análise das ocorrências e no desenvolvimento e implantação dos planos de ação para a melhoria contínua.
O Transportador poderá ter que rever, ainda, seu perfil de carga e os procedimentos para a unitização e manuseio dos materiais, observando as peculiaridades de cada Cliente ou tipo de mercadoria.
Provavelmente ainda reste às Transportadoras a necessidade de investir na adequação de seus veículos e terminais de carga, para uma maior proteção aos materiais, minimizando a ocorrência de possíveis danos.
E por fim, talvez ela precise ampliar o uso da tecnologia ao longo de todo o trajeto, entre a origem e o destino, para uma melhor rastreabilidade da mercadoria e monitoramento das ocorrências.
Enquanto nada disso acontece, resta às Transportadoras apenas tentar dificultar ao máximo esse processo de indenização de avarias, tornando-o cada vez mais burocrático, reembolsando o Cliente apenas a partir de laudos técnicos, emitidos por uma terceira parte, imparcial, ou após a conclusão de estudos realizados por ambos, Embarcadores e Prestadores de Serviços. Digo isso, porque se as “porteiras se abrirem” nas Transportadoras, muitos milhões de Reais serão destinados ao pagamento de avarias, sendo muitas delas de total responsabilidade dos Embarcadores.
Para um segmento que já não vem bem há muito tempo, esse poderá ser o “empurrão” final para o fundo do poço. Melhor não esperar para ver, correto? Melhor agir preventivamente, de forma inteligente e estruturada. Bom trabalho!
Artigo escrito por Marco Antonio Oliveira Neves, Diretor da Tigerlog Consultoria e Treinamento em Logística Ltda